Aṣṭāṅga ou Pātañjala Yoga – texto do Professor Hermógenes
Aṣṭāṅga (aṣṭa, oito; aṅga, membro) Yoga é o Yoga de oito componentes, mais conhecido como Rāja Yoga ou Yoga Real.
Foi codificado pelo sábio Patañjali, baseando-se nos milenares conhecimentos yogis que a tradição oral transmitia através das gerações, de guru a discípulo.
Patañjali produziu um pequeno manual chamado Yogasūtra, em quatro capítulos, ensinando inclusive as oito etapas do caminho (mārga) a ser percorrido pelo aspirante, culminando com a realização de kaivalya ou libertação da Consciência (Puruṣa) de sua servidão e confinamento na matéria (Prakṛti).
A libertação acontece quando a pessoa compreende ser diferente de quaisquer conteúdos psíquicos, desejos, aversões, vontades, julgamentos, emoções, sentimentos ou questionamentos. Essa equanimidade, esse equilíbrio, é mokṣa, a liberdade, que é o objetivo do Yoga.
A proposta de Patañjali nos permite ir passo a passo, corrigindo as imperfeições do carácter e compreendendo a natureza e funcionamento da mente.
O que nos impede gozar a Suprema Bem-Aventurança (Ānanda), segundo Patañjali, é o febril funcionamento da mente, assim como só se consegue ver a Lua em sua inteireza, quando refletida no lago, se as ondulações deste se aquietarem totalmente.
Nossa mente, em seu estado normal, isto é, em sua condição de mediocridade, é impura, desconcentrada, toldada e agitada. A prática do Aṣṭāṅga corrige todas essas condições, e condiciona a mente para a experiência culminante de sua cessação.
Aṣṭāṅga
As oito partes do Aṣṭāṅga São os oito componentes do sistema:
- Yama;
- Niyama;
- Āsana;
- Prāṇāyāma;
- Pratyāhāra;
- Dhāraṇā;
- Dhyāna;
- Samādhi.
Vejamo-los um a um.
- Yama
Yama é o conjunto de cinco abstenções em nosso comportamento, visando a estabelecer um relacionamento perfeito e eficiente com nossos semelhantes. É um comportamento moral perfeito. As cinco abstinências são:
- Ahiṁsā, que é objeto de estudo de todo o livro Convite à Não-violência (não ferir);
- Satya, a veracidade, o oposto de hipocrisia (não mentir);
- Asteya, o evitar a apropriação indébita (não furtar);
- Brahmacarya, a vida casta, isto é, voltada para Deus (não explorar sexualmente);
- Aparigraha, evitar a insatisfação (não cobiçar).
Não pode ser eficaz e verdadeira a meditação de alguém que está em dívida com seus semelhantes, se há alguém a quem feriu, a quem enganou, a quem furtou, a quem explorou sexualmente, a quem deseja ou desejou arrebatar algo.
As vítimas estarão vibrando contra o pretenso meditante. À mente deste acorrerão lembranças e remorsos, que a inquietarão e frustrarão a pretensão de meditar. São Paulo insistiu:
Fazei o possível para viver em paz com os homens… Rm, 12:18
2. Niyama
Niyama é o conjunto de cinco preceitos que, bem cumpridos, produz a paz no mundo interno. Yama gera a paz com os outros. Niyama gera a paz conosco mesmos. Formam niyama:
- Śaucan (pronuncia-se śauca) significa pureza interna, externa, física e mental (mantenha-se puro);
- Santoṣa significa contentamento (contente-se com o que tem, com o que faz, com não poder ter, com o que não pode fazer…);
- Tapas é uma palavra que literalmente significa queimar. Queimar por quê? É o fogo que não somente purifica, mas melhora a têmpera. Um aspirante é um asceta que, na ascese, aprimora a têmpera, se fortalecendo para vencer o “caminho estreito”. Tapas é disciplina, austeridade, resistência contra a fadiga, o desconforto e a doença (seja um forte);
- Svādhyāya significa procurar conhecer-se, não somente como personagem, mas como Ator, isto é, como ego mortal e como o próprio Ser, que todos somos (“conhece-te a ti mesmo”);
- Īśvaraprānidhāna significa entregar-se a Íshvara (o Senhor). Sem a Graça Divina, o esforço do aspirante ao Yoga é impotente.
Humildando-se enquanto se esforça no sādhana (disciplina espiritual), o aspirante se entrega total e incondicionalmente a Īśvara (Deus pessoal).
Conseguimos o máximo quando permitimos que seja feita a vontade de Deus (entregue-se irrestritamente a Deus).
Puro, contente, resistente e bem curtido, conhecendo-se a si mesmo e entregue às mãos de Deus, alcança-se a paz, a paz pessoal, aquele que “transcende a compreensão humana”, aquela que só o Cristo (Íshvara) nos pode dar. Não é a paz que compramos do mundo.
3. Āsana
Āsana, a terceira parte do Aṣṭāṅga, é a postura do corpo, que deve ser confortável e estável, a tal ponto que nos permita meditar por um bom tempo, sem sentir desconforto (dores, fadigas…) nem desafio ao equilíbrio.
Só assim podemos meditar com eficácia. O conforto e a estabilidade nos permitem atingir um estado no qual o corpo é como se não existisse. Diríamos que então se goza paz no corpo.
4. Prāṇāyāma
Prāṇāyāma é o controle da bioenergia (prāṇa), que mantém vivo o corpo e vivifica a mente. É só quando o alento praticamente pára, estando não obstante todo o sistema abastecido de energia, que os movimentos rebeldes da mente podem parar. Paz no sistema energético.
5. Pratyāhāra
Pratyāhāra é a suspensão das funções sensórias. Os órgãos dos sentidos são desligados. Suas mensagens não atingem o cérebro. É a paz dos sentidos.
6. Dhāraṇā
Dhāraṇā é o estado de concentração da mente, com relativa minimização de seus movimentos agitados.
7. Dhyāna
Dhyāna é o estado de meditação que sucede a uma concentração que se prolonga. O objeto em que se medita está a maior parte do tempo ininterruptamente ocupando a atenção.
8. Samādhi
Samādhi acontece quando a meditação se prolonga e permite que a mente que contempla e o objeto contemplado se unifiquem, e os movimentos (vṛttis) conseqüentemente páram.
É um estado feliz. É quando se alcança o Yoga. É quando o Espírito (Puruṣa) se liberta e se isola em seu Reino de Bem-Aventurança e Plenitude.
O Aṣṭāṅga Yoga não comete o equívoco de pretender atingir a Meta suprema através de técnicas (físicas, psíquicas, psicofísicas, sexuais, energéticas…) que “falsos profetas” nos dias atuais andam propondo, e disto tirando grande proveito econômico para suas multinacionais empresas de “meditação”, “controles”, “iluminações”, “despertamentos de kundaliní“, “poderes paranormais”… e muitas outras mistificações.
A transformação ética é pré-requisito indispensável às práticas e a todo restante do sādhana.
Enquanto reinar em nós um ego capaz de ferir, que gosta de mentir, que não vacila em furtar, que se entrega a curtições eróticas selvagens, permanentemente descontente e reivindicante, que não tem o mínimo de eqüanimidade e endurance (resistência nobre), que não tem qualquer percepção sobre si mesmo (um alienado, portanto) e que desconhece Deus e conseqüentemente muito menos se devota a Ele, é imprudente iniciar as práticas do Rāja Yoga e de outros Yogas igualmente austeros e arriscados como o Lāyā e o Kuṇḍalinī Yoga.
Técnicas sem ética, propõem os charlatães. Primeiro, a ética, e, depois, as técnicas: propõem os verdadeiros Mestres.
Extraído do livro Convite à Não-violência, do Professor Hermógenes, Editora Nova Era.